Tenho assistido, incógnito, ao desfalecimento gradual da minha vida, ao soçobro lento de tudo quanto quis ser. Posso dizer, com aquela verdade que não precisa de flores para se saber que está morta, que não há coisa que eu tenha querido, ou em que tenha posto, um momento que fosse, o sonho só desse momento, que se me não tenha desfeito debaixo das janelas como pó parecendo pedra caindo de um vaso de andar alto. Parece, até, que o destino tem sempre procurado, primeiro, fazer-me amar ou querer aquilo que ele mesmo tinha disposto para que no dia seguinte eu visse que não tinha ou teria.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego